sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Chuva de Natal

O dia amanheceu frio e molhado. Já há algum tempo que as noites de Natal tinham perdido o encanto de outrora. Os miúdos estavam crescidos, já pouco ligavam às festividades típicas desta época. Esperavam ansiosamente pelo jantar e pela troca de presentes para depois poderem continuar a noite com os amigos. O teu filho em casa, a tua filha nos bares da zona.

Os teus pais deitaram-se especialmente cedo naquele ano. Talvez ajudados pelo clima pesado que a ausência de um membro da família causava pela primeira vez. As crianças pareciam não ter reparado, inebriadas que estavam pela luz das velas, pelo brilho dos papéis de embrulho, pela cor vibrante dos laços dos presentes, pelo barulho do rasgar de papéis que se fez soar na sala. Até a lareira parecia querer contrariar a escuridão, com um fogo vivo e quente como há muito não se via por ali. Não costumavam usar aquela sala, aquela lareira, reservando-a para ocasiões especiais.

Serviste uma bebida para ti e uma para o teu irmão. Tentaste consolar os seus olhos tristes com um leve encostar da tua mão no seu ombro, como que lembrando-o que estavas ali, para ele, para os teus sobrinhos. Que a vida continuava, mesmo quando parecia que tudo ruía à nossa volta.

Sentaste-te na cadeira que estava encostada à janela e olhaste lá para fora. A chuva parecia não querer dar tréguas, fria, contínua, embora silenciosa. O alpendre estava iluminado pelas velas que a tua mulher tinha acendido horas antes. Pensaste no quanto te apetecia saber o que estaria eu a fazer. Já estaria deitada? Onde teria ido passar o Natal? Tinhas saudades. Esperavas pela resposta ao email que me tinhas enviado horas antes, mesmo sabendo que o mais provável era apenas no dia seguinte isso poder vir a acontecer.

Naquela manhã, mesmo antes de todos terem acordado, voltaste à sala e à cadeira onde na noite anterior tinhas reservado uns minutos para te lembrares de mim. A chuva era a mesma do dia anterior, fria, com a mesma cadência.

Foste buscar o telemóvel. E lá estava a resposta por que ansiavas. Acordou tão cedo!, pensaste. E sem hesitar, respondeste: "Acordaste cedo! Foi para abrir os presentes?"

 

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